É crescente a relevância da sustentabilidade como diferencial competitivo no gigantesco mercado de beleza e cuidados pessoais.
Isso se reflete, em um primeiro momento, em produtos formulados com mais ingredientes provenientes da natureza, em detrimento dos sintéticos.
E, hoje, também na busca por embalagens desenvolvidas de maneira mais condizente com os preceitos da economia circular.
Há, nesse caso, uma dificuldade adicional, relativamente a buscas similares estabelecidas em diversos mercados: conciliar as embalagens mais sustentáveis com as exigências de uma indústria fortemente calcada em apelos estéticos e sensoriais e que, por esse motivo, ainda vê com algumas reticências o uso resinas recicladas.
Mas essa conciliação se mostra imprescindível, pois embalagens são fundamentais para a consecução das metas de redução de impactos ambientais anunciadas por várias das principais marcas desse mercado.
O uso das resinas recicladas é apenas uma das vertentes dessas estratégias.
Há outras, revela levantamento realizado no início deste ano com os associados da Abihpec – Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. Entre elas, as embalagens mais facilmente recicláveis.
Filme de PE e PET pode reduzir em 81% o uso de plásticos
“Isso inclui embalagens com menos mistura de materiais, ou com materiais mais facilmente separáveis, se tiverem mais de um material”, relata Rose Hernandes, diretora de Meio Ambiente da Abihpec.
O levantamento mostrou também as empresas do setor demandando embalagens feitas com quantidades menores de matérias-primas, e com mais matérias-primas provenientes de fontes renováveis.
“Elas buscam ainda o prolongamento do tempo de vida das embalagens, por exemplo, por meio do uso refis”, acrescenta a diretora.
Os refis, especificamente, já se expandem significativamente nesse mercado, observa Assunta Camilo, diretora do Instituto de Embalagens.
Assunta: educação ambiental aumentará aceitação de PCR
“Já há refis de xampus, cremes, hidratantes, entre outros produtos; mesmo perfumes, cujas embalagens são de vidro, já têm refis com embalagens plásticas rígidas, mas um pouco menos rígidas que as usuais, semelhantes a embalagens de colírio”, acrescenta.
Assunta considera ainda tímido o uso, pela indústria brasileira de cuidados pessoais e beleza, de resinas pós-consumo (PCR), por enquanto restritas basicamente ao PET; ou, no caso de outras resinas, às embalagens mais escuras, capazes de ocultar possíveis imperfeições.
“Em outros países já há xampus, cremes, acondicionados em embalagens claras, 100% feitas com resina reciclada, não apenas de PET, mas também de PE”, ressalta.
Menos virgens, mais PCR – Listados no levantamento da Abihpec entre as diretrizes que hoje norteiam a busca das empresas do setor por embalagens mais sustentáveis, os desenvolvimentos usuários de um único material aparecem no foco das estratégias de novos produtos dos transformadores interessados em seguir atendendo à indústria de higiene pessoal e cosméticos.
Caso da Silgan, que desenvolveu uma bisnaga laminada – formato muito utilizado em produtos de cuidados pessoais –, produzida apenas com PE, e que garante aos produtos proteção similar àquela antes obtida apenas com bisnagas laminadas com camada de alumínio.
Assim, feita apenas com PE, pode ser reciclada na cadeia deste polímero (algo um tanto inviável quando há a camada interna de alumínio).
Várias marcas, observa Renato Wakimoto, diretor de P&D da Silgan, ainda seguem utilizando as bisnagas com alumínio, mas a procura por esta inovação é crescente.
Dificulta, porém, a substituição imediata das embalagens com alumínio, ele ressalta, a necessidade de testes de compatibilidade, estabilidade e envase do produto que as empresas realizam antes de aprovar o uso em suas linhas.
Além de tubos laminados, a Silgan produz no Brasil embalagens plásticas rígidas e dispensadores.
E investe em outras iniciativas focadas na ampliação da reciclagem e do uso racional de materiais em seus produtos: entre eles, embalagens de batons – tradicionalmente feitas com vários tipos de resinas – em versão monomaterial. Intensifica-se também o uso de materiais provenientes de fontes renováveis, como o PE verde da Braskem, bastante utilizado nesse mercado, e de resinas PCR; cujo uso, Wakimoto ressalva, deve ser vinculado às análises de segurança e às regulamentações sanitárias.
Embalagens feitas com um único material constituem um dos focos também da C-Pack, fabricante de embalagens extrudadas, utilizadas em produtos para a pele e os cabelos, entre outros.
Henrique: uso de PCR ainda encontra clientes resistentes
“Desenvolvemos bisnagas monomateriais, totalmente feitas em PE, ou em PP: tubo, ombro e tampa”, diz Hernane Henrique, diretor comercial e de marketing da C-Pack.
“Já estamos oferecendo essa embalagem 100% em PE, na versão com tampa de rosca; e desenvolvendo a versão flip top”, acrescenta.
A C-Pack, prossegue Henrique, oferece também outros produtos mais afeitos aos preceitos da circularidade, como as embalagens feitas com resinas de fontes renováveis, a exemplo do PE verde, e com material PCR.
Essa última possibilidade ainda encontra alguma resistência em marcas mais preocupadas com quesitos tais como impacto visual e textura.
Para contornar esse problema, muitas delas utilizam resinas PCR apenas nas camadas internas das bisnagas co-extrudadas, e resinas virgens nas externas.
Mas a C-Pack disponibiliza uma tecnologia que, de acordo com Henrique, minimiza a possibilidade de problemas visuais ou táteis nas bisnagas, pois, diferentemente da tradicional extrusão conjunta da camada impressa e do restante do corpo da embalagem, permite a impressão da arte separadamente, em um filme plano posteriormente unido ao restante da embalagem por um processo de fusão térmica, sem o uso de adesivo.
“Isso encobre muitas das imperfeições decorrentes do uso de material reciclado”, destaca Henrique.
Essa tecnologia, ele complementa, também proporciona outros benefícios no campo da sustentabilidade.
Uma delas: permite a obtenção de efeito metálico com uma quantidade de alumínio cerca de trezentas vezes inferior ao das embalagens laminadas que proporcionam o mesmo efeito, possibilitando sua reinserção na cadeia normal de reciclagem do PE.
“Já adquirimos uma segunda linha dessa tecnologia, ela chegará em nossa planta ainda este ano”, ressalta o diretor da C-Pack.
Na Alemanha, rótulo salienta que embalagem é feita de PCR
Cosméticos e flexíveis – Se em todo o conjunto da indústria dos cuidados pessoais não parece tarefa simples desenvolver embalagens mais sustentáveis que mantenham as tradicionais características sensoriais, esse desafio parece ainda maior no segmento da beleza – cosméticos, maquiagem, cuidado com a face, entre outros –, no qual essas características são mais valorizadas.
Atua nesse segmento a Incom, que para ele produz embalagens nas quais utiliza diversas resinas: PP, poliéster, ABS, SAN, Surlyn, entre outras.
“Nesse caso, é um pouco mais difícil usar PCR, que sempre tem um pouco menos de transparência e menor apelo visual”, observa Andréia Johansen, gerente de vendas e marketing da Incom.
A reciclagem química pode contribuir para a superação desse obstáculo.
“Temos em nosso portfólio embalagens feitas com resinas de copoliéster reciclado quimicamente, que não alteram em nada o visual do produto”, destaca Andréia.
“No exterior, algumas marcas já utilizam poliéster quimicamente reciclado em potes de cremes”, acrescenta.
E os refis, prossegue Andréia, ampliam sua presença também entre os cosméticos: “Desenvolvemos para O Boticário uma embalagem refilável de uma base para maquiagem”, relata.
“Desenvolvemos também uma tampa de perfumes, feita de Surlyn, com um design vazado, com peso 30% inferior ao de uma tampa convencional”, complementa.
O uso de embalagens flexíveis também pode contribuir para o surgimento de embalagens de produtos para cuidados pessoais mais afeitas aos preceitos da circularidade, crê Felipe Toledo, diretor-executivo da Camargo Embalagens.
Afinal, ele observa, embora tenham ainda o inconveniente da maior dificuldade de reciclagem, pois geralmente feitas com mais de um material, embalagens flexíveis utilizam bem menos matéria-prima, relativamente às rígidas.
Toledo: cosméticos usam cada vez mais embalagens flexíveis
“E acho que não estamos muito longe das embalagens flexíveis monomateriais para esses produtos”, pondera Toledo.
Segundo ele, cresce o uso de embalagens flexíveis nessa indústria (na qual elas hoje acondicionam predominantemente sabonetes, com papel revestido com plástico ou parafina).
A própria Camargo desenvolveu embalagens flexíveis para xampus e sabonetes líquidos da linha infantil Bagunça, da L’Occitane: feitas de PE e PET, elas acondicionam tanto refis quanto, em versões dotadas de bicos, prontos para utilização.
E permitem, informa a L’Occitane, reduzir em 81% o uso de plástico, relativamente a uma embalagem convencional.
“Trazem ainda outras vantagens no decorrer de seu ciclo de vida, reduzindo os impactos ambientais também em quesitos como transporte e armazenamento”, ressalta Toledo.
No portfólio da Camargo há também produtos multicamadas com impacto ambiental reduzido, comparativamente às versões convencionais: caso de um stand up pouch que, além de utilizar PE proveniente de cana de açúcar, tem 30% de sua matéria-prima composta com poliéster proveniente de garrafas PET recicladas.
Aprovada pela Anvisa, essa embalagem pode ser utilizada também em alimentos. “No mercado dos cuidados pessoais, ela pode acondicionar produtos como cremes e sabonetes líquidos”, diz o diretor da empresa.
A Camargo venceu, na categoria Cosméticos e Cuidados Pessoais, a última edição do prêmio realizado anualmente pela Associação Brasileira de Embalagem – Abre (no qual ganhou também em outras categorias).
Obteve essa conquista com uma embalagem compostável, proveniente de polpa de celulose, com características sensoriais similares à do plástico.
Desenvolvida para a marca de sabonete Dom Tropical, com formato similar ao de um picolé, ela confere, relativamente ao plástico propriamente dito, barreira inferior e menor força de selagem (além de ser mais cara).
“É, por enquanto, um produto de nicho”, observa Toledo.
Frasco de perfume tem tampa plástica feita pela Incom
O espaço do plástico – Matéria-prima mais usual nas embalagens de produtos de higiene pessoal e beleza, as resinas plásticas não têm ainda nenhum concorrente capaz de disputar seu espaço nessas aplicações, avalia Andréia, da Incom.
“Nenhum outro material conjuga as mesmas características de resistência, compatibilidade, peso e custo”, justifica.
“Não dá para fazer todos os batons com embalagens de vidro, ou perfumes com embalagens de papel. Pode até haver um ou outro projeto nesse sentido, porém apenas pontual”, complementa.
Essa opinião é endossada por Rose, da Abihpec.
“Não vejo como deixar de utilizar plástico nessas embalagens. O que devemos fazer é trabalhar para promover o uso cada vez mais responsável desse material, algo que deve considerar todo o ciclo de vida do produto, começando por um design que favoreça a reciclagem e chegue ao posterior aproveitamento da matéria-prima reciclada”, recomenda.
Assunta, do Instituto de Embalagens, avalia que iniciativas como maior investimento em educação ambiental, estímulo à reciclagem, design desenvolvido para a economia circular, entre outras, podem até beneficiar o plástico no confronto com outras possíveis matérias-primas.
Crê também que o apelo estético, ainda tão relevante para a indústria da beleza e dos cuidados pessoais – e fator inibidor do uso mais intenso de resinas PCR –, paulatinamente vai sendo reavaliado:
“As pessoas começam a rever seus conceitos, veem os problemas pelos quais passa nosso planeta”, finaliza.