Prensa da Green Mining reduz volume de plásticos pós-consumo para facilitar o transporte
Quando promulgada, em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) definiu logística reversa como “conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada”.
Definição, por si só, que a qualifica como como etapa indispensável na economia circular, sem a qual não se viabiliza o reaproveitamento das matérias-primas já utilizadas.
Mas essa caracterização, embora pareça remeter a algo simples, refere-se a um processo complexo e oneroso, especialmente no caso dos resíduos PCR (pós-consumo), que requer a coleta de uma infinidade de itens muitas vezes de baixo valor unitário, pulverizados pelos mais diversos ambientes.
Não à toa, apesar de algum progresso e da maior atenção ao tema por parte de autoridades ambientais (ver box sobre a agência ambiental paulista), a evolução da logística reversa no Brasil – como aliás a própria implementação da PNRS – ainda está sujeita a contratempos e adiamentos.
Um deles: quase três anos após o término da primeira, ainda não foi assinada a segunda fase do acordo setorial previsto na PNRS das chamadas “embalagens em geral” (aquelas que acondicionam os principais produtos de consumo massivo, como alimentos, bebidas e produtos de higiene limpeza) que têm como principais matérias-primas resinas, papel, papelão, metais e vidro.
Nesse acordo, a indústria do plástico é representada pela Coalizão Embalagens, composta por treze entidades representativas de produtores de embalagens e de suas matérias-primas, de empresas usuárias de embalagens, de distribuidores de produtos de consumo. Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico), Abipet (Associação Brasileira da Indústria do PET) e Plastivida (Instituto Socioambiental dos Plásticos) fazem parte desse grupo, ao lado de entidades das indústrias de papel e papelão, de alimentos, de bebidas, entre outros setores.
Após assinar em 2015 o acordo com o governo federal, a Coalizão Embalagens se tornou gestora dos programas de logística reversa mantidos por esses setores, que no ano passado recolheram e deram correta destinação a 311 mil toneladas de embalagens.
Cesar Faccio, secretário-executivo da Coalizão Embalagens
“Isso representou 22,3% do total de embalagens colocado no mercado por eles; a atual meta é de 22%”, ressalta Cesar Faccio, secretário-executivo da Coalizão Embalagens.
Hoje, a Coalizão gerencia sete grandes projetos de logística reversa, que em conjunto apoiam 563 cooperativas, em 329 municípios de todo o país.
No ano passado, realizou 2.470 ações nessas cooperativas e outras 642 ações em pontos de entrega de materiais. Contou, para isso, com uma verba de R$ 74 milhões.
“As treze associações participantes representam 1.879 empresas que se responsabilizam solidariamente pelas metas estabelecidas no acordo setorial”, ressalta Faccio.
Segundo ele, já está com o governo federal a proposta para a segunda fase desse acordo (uma primeira proposta foi entregue em 2018, mas mudanças no governo retardaram a conclusão das negociações). “Essa segunda fase tem meta superior aos atuais 22%”, diz Faccio.
Essa proposta da nova fase do acordo inclui também a individualização – ainda não realizada – das informações referentes às diferentes matérias-primas das embalagens coletadas: mas mesmo sem esse dado, um relatório sobre índices de reciclagem do Ministério do Meio Ambiente mostra maiores dificuldades no caso dos plásticos (ver Tabela 1).
Tabela 1 – Índices de reciclagem de resíduos secos provenientes de embalagem
E há quem considere até otimistas as estimativas desse relatório, recorrendo, por exemplo, a um estudo de 2019 da entidade ambientalista World Wildlife Fund que, valendo-se de informações do Banco Mundial, afirma que o Brasil recicla apenas 1,3% de seu plástico.
Ou aos dados da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), que divulga patamares de reciclagem ainda “inferiores a 4% na média nacional” (esse dado se refere apenas aos resíduos coletados pelas empresas associadas a essa entidade, desconsidera cooperativas e associações de catadores).
Modelos e tecnologia – A escassez de resíduos para reciclagem constitui dificuldade a ser superada pela indústria do plástico, destaca José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Abiplast.
“Precisamos pensar em modelos que desviem esses resíduos da destinação inadequada e tenham potencial econômico para a reinserção na lógica produtiva”, recomenda.
Como projeto desenvolvido com esse objetivo, Coelho cita o convênio firmado entre a Abiplast e a ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), que visa propor modelos eficientes de logística reversa para resíduos sólidos urbanos analisando as realidades de três municípios paulistas: Barueri, Guarulhos e Cajamar.
A proposta relativa à primeira dessas três cidades foi concluída em março último; as demais devem ser finalizadas ainda este ano.
Coalizão Embalagens atua com cooperativas e pontos de entrega
Esse estudo, afirma Coelho, foca o aumento da recuperação de resíduos recicláveis considerando os três pilares da sustentabilidade (econômico, social e ambiental), com possibilidade de geração de renda para todos os envolvidos no processo, dos catadores avulsos e cooperados ao poder público local.
“As três cidades serviram como referências, mas a intenção é ter modelos replicáveis para localidades com características semelhantes”, enfatiza.
As tecnologias desenvolvidas nas redes digitais começam a ser aproveitadas como ferramentas de logística reversa.
É o caso do blockchain, que assegura a autenticidade de informações disponibilizadas nas redes digitais e viabiliza, entre outras coisas, as transações com moedas digitais, como o bitcoin.
Um sistema blockchain pode, por exemplo, garantir que um material de fato provém de resíduos PCR e não de sobras e rejeitos industriais, atestando assim a realização da logística reversa (a possível utilização de reciclado de sobras industriais em lugar de resíduos PCR é uma das argumentações de quem contesta os índices oficiais de embalagens recicladas).
Utiliza essa tecnologia a prestadora de serviços de logística reversa Green Mining, cujos coletores retiram embalagens pós-consumo, já separadas por tipo de material, em locais como restaurantes, bares e condomínios.
Lá mesmo eles pesam e fotografam esse material, e o enviam a locais que a empresa denomina hubs, onde acontece a prensagem e uma nova pesagem, e de onde ele segue para recicladores. Todas essas informações são registradas no sistema da Green Mining.
Rodrigo Oliveira, presidente da Green Mining
“O blockchain garante que nada do que foi inserido nesse sistema será alterado”, destaca Rodrigo Oliveira, presidente da empresa.
A operação da Green Mining teve início há cerca de 2,5 anos, coletando garrafas para a Ambev, para quem logo ela começou a coletar também garrafas PET.
Agora inclui ainda, além de mais clientes, entre eles a Unilever, o recolhimento de PEAD de embalagens de produtos de limpeza, PEBD de filmes shrink, embalagens de papel e papelão, entre outros itens, recolhidos em cerca de novecentos locais de cinco estados brasileiros.
“Já coletamos cerca de 2 mil toneladas de material”, relata Oliveira.
Registros via blockchain são utilizados também pelo reciChain, rede colaborativa recém-formada por empresas e organizações empenhadas em estabelecer um ambiente que garanta e certifique informações relacionadas a materiais reciclados e investimentos em reciclagem.
Também o sistema reciChain atesta que uma nota fiscal emitida por uma cooperativa de reciclagem é autêntica, e referente a materiais PCR.
Rafael Viñas, gerente da Fundação Espaço ECO (consultoria para sustentabilidade, criada e mantida pela Basf)
“Mas podemos também agregar outras informações, tipo: a cooperativa que triou o material é formalizada? Os plásticos têm determinadas características, e estão livres de contaminantes?”, observa Rafael Viñas, gerente da Fundação Espaço ECO (consultoria para sustentabilidade, criada e mantida pela Basf).
As empresas podem se valer das informações do reciChain tanto para assegurar o uso de resina reciclada PCR quanto para certificar investimentos em projetos geradores de material reciclado, como é o caso de um programa anunciado em março último pela Basf, que se comprometeu a financiar o equivalente a uma nova unidade de triagem capaz de processar 8 mil t de material reciclado, das quais 1,8 mil t de plásticos.
“O programa oferece ainda suporte técnico em atividades de inclusão socioprodutiva de catadoras e catadores”, destaca Viñas.
Regulamentação e colaboração – Diversas iniciativas são continuamente apontadas como potenciais alavancadoras da logística reversa no Brasil.
Uma delas, alterações no sistema tributário que eximiriam o setor de reciclagem dos tributos já recolhidos no primeiro processamento dos materiais com os quais ele lida; outras, a expansão da coleta seletiva e a educação da população para o correto descarte dos resíduos.
Além disso, lembra Faccio, da Coalizão Embalagens, a indústria da reciclagem ainda não tem presença uniforme no país.
“No Sul e no Sudeste ela está mais bem distribuída, mas nas demais regiões são maiores as distâncias até as plantas de reciclagem, e isso desestimula o processo”, explica.
É porém real, embora possa parecer tímido, o avanço da logística reversa no Brasil, como ressalta Miguel Bahiense, presidente da Plastivida.
Miguel Bahiense, presidente da Plastivida
“Antes da PNRS não havia aqui praticamente nada nessa área”, pondera.
“Talvez a evolução não aconteça na velocidade esperada, mas fatos como a atual oferta de resinas PCR por praticamente todas as grandes petroquímicas e seu crescente uso pelos brand owners expõem o avanço da logística reversa, que viabiliza a produção dessas resinas”, argumenta.
Viñas, da reciChain, qualifica como ainda “pouco efetiva” a logística reversa das embalagens em geral.
Segundo ele, “exemplos da União Europeia mostram que uma regulamentação clara, com um cronograma de implantação bem definido e exequível, além da punição aos que não cumprem a lei, são essenciais para o avanço da logística reversa”.
Oliveira, da Green Mining, ressalta o valor da cooperação entre os vários elos das cadeias produtivas como imprescindível para a logística reversa.
Colaboração, ele destaca, materializada no projeto de um equipamento destinado a facilitar a coleta dos filmes shrink (menos atrativos para a reciclagem devido a características como forma e leveza); similar a uma miniprensa, ele deve ser colocado nas proximidades dos locais onde esses filmes são retirados dos produtos: freezers de restaurantes, por exemplo.
“Nós desenvolvemos os equipamentos, a Ambev patrocinou, e a Deink (empresa de destintagem de filmes), e a Valfilm (produtora de filmes), financiam a coleta”, relata.